sábado, 14 de abril de 2018

Mercearias Finas 129


De caça, à mesa, não me posso inteiramente queixar. Tenro em idade, pelo Outono, apareciam lá em casa, de ofertas de caçadores amigos, tordos, pombos bravos, perdizes, e, de exemplares terrestres, mas também ligeiros, vinham à mesa, lebres e coelhos silvestres, de fino sabor. Tive a minha conta.
Parcimonioso, embora, o almoço de hoje compôs-se de um afinado ragoût de veado com cantarelos, acompanhado por massas frescas e um Dão tinto Santo António (Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alfrocheiro) de 2014, que se portou competente para a sua responsabilidade gastronómica.
Ao vivo, em Mafra e na sua Tapada, me fartei de ver veados à solta, enquanto eu andava aperreado na minha aprendizagem militar, pouco antes de Salazar ter caido da cadeira. Mas aos ditos bichos, só os provei, em bifes, por volta de 85, vindos de Massamá, de uma quinta pioneira em criação de caça que, hoje, se calhar, chamariam startup, para ganhar estatuto...
O javali veio ter ao meu currículo gustativo depois do 25 de Abril, numa ida propositado a um restaurante simpático dos subúrbios das Caldas da Rainha. Não desgostei, mas também não fiquei avezado, nem cliente. Já nos anos 90, chegaram os faisões, as galinholas e as avestruzes que, uma vez provados, posso dispensar tranquilamente e sem sacrifício.
Fiel, fiel, mantenho-me às perdizes, que o Sr. Pereira, exímio caçador lá entregava em casa e que a Maria, profissional de gabarito, preparava com afecto extremoso. Ave especiosa, se selvagem, que o Abade de Jazente  (1719-1789) celebrou. Em soneto, e para sempre.
Que aqui deixo, pelo seu tom bem humorado:

Eu bem as vi, mas foi, Rocha erudito,
arrojar tão de chofre d'entre o mato,
que o caçador um pouco estupefacto,
em lugar de atirar-lhes, deu um grito.

Passaram-se depois a tal distrito,
d'onde apenas trepar podera um gato;
sem falar no desconto de um regato,
que resiste inda aos saltos de um cabrito.

N'isto chegou a noite; e ao outro dia,
ou porque o cão levava maus narizes,
ou porque alguma velha nos benzia,

corremos sem topá-las mil paises.
Bem sei que isto ao primor me não desvia,
mas esta é toda a história das perdizes.

2 comentários:

  1. Pelo meu prato de alfacinha nunca passaram tais bichos de campo, excepto a avestruz, em bife, que dispenso igualmente (acho que até tive pesadelos com uma a olhar para mim fixamente com aqueles olhos enormes). O aspecto da foto é apetecível!
    Bom dia/Boa semana!

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    1. Muita desta caça, hoje em dia, vem de coutadas ou "aviários" abastecidos a rações industriais, o que faz com que os bichinhos percam o seu sabor selvagem e natural, o que é uma pena. Tal como as douradas, os robalos, os salmões...
      Retribuo os votos, cordialmente.

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