sábado, 29 de setembro de 2012

Sobre o Porto


Se aqui há um mês mo tivessem perguntado, eu diria: - Sim, sim, já li tudo o que Eugénio escreveu. E acrescentaria, talvez: - Excepto "Narciso", que ele renegou, e que publicou muito jovem, ainda.
Mas estava enganado. Por desfastio comprei, num alfarrabista, o volume "À Sombra da Memória" (1993), que reúne textos em prosa de Eugénio de Andrade. Evocações, palavras de agradecimento aquando de homenagens, reflexões sobre poesia. Cerca de metade dos textos não os conhecia eu. E li-os deliciado. Prosa enxuta, simples, da melhor que se escreveu no séc. XX português. Ora, atente-se no início de "A Cidade e a Poesia", em que ele fala do Porto:
"As cidades são como as pessoas, têm os seus segredos, e às vezes guardam-nos bem guardados. Há quem goste muito do Porto e há quem o deteste. Queria falar desta cidade «tão masculina» sem nenhum peso de erudição, que é coisa tão inimiga da poesia, que só Borges, que eu saiba, lhe conseguiu arrancar alguns versos dignos da sua prosa. Também não me parece leal contrapor-lhe outras cidades, e menos ainda Veneza. Toda a gente sabe que se Veneza não cheirasse a água podre seria incomparável, mas cheiro por cheiro antes o de Marraquexe. Marraquexe cheira a cavalos, que é cheiro de homens. Há quem goste do Porto, dizia eu; Marguerite Yourcenar - ninguém sabe, porque foi a mim que o disse - andou por aqui fascinada com a Ribeira e as encostas da Sé. Isto de gostar não tem explicação fácil. O mais simples é, se nos pedem razões, dizê-lo com as palavras de Montaigne: Parce que c'était lui, parce que c'était moi. Mas não só o amor tem estranhos mecanismos, os do ódio não lhe ficam atrás. ..."

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